“A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha, escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o Governo e o próprio Brasil.”
FALSO
Bolsonaro possivelmente está se referindo de forma velada à campanha “Amazon or Bolsonaro? Which side are you on?“, lançada por um conjunto de organizações brasileiras com o objetivo de denunciar a destruição da floresta e o desmonte da governança ambiental no país no governo atual. Os materiais da campanha foram compartilhados por organizações, pessoas físicas e celebridades do mundo inteiro. Não há na campanha nenhuma relação com a exploração de riquezas da Amazônia, como insinua o presidente.
“Somos líderes em conservação de florestas tropicais.”
FALSO
O Brasil é líder em destruição de florestas tropicais. Somos o país que mais desmata no mundo em termos absolutos: apenas no ano passado foram destruídos mais de 17 mil km2 na Amazônia e no cerrado, segundo dados do Inpe.
Análise da Global Forest Watch mostra que o Brasil concentrou mais de um terço de toda a perda de florestas tropicais primárias em 2019.
Ao longo das últimas décadas o país de fato avançou na proteção desses ecossistemas, criando sistemas de monitoramento por satélite, demarcando terras indígenas e criando unidades de conservação e planos de prevenção e controle do desmatamento (conhecidos como PPCDAm e PPCerrado). Em 2019, porém, os planos foram engavetados pelo governo Bolsonaro e desde então o país não tem uma política sólida de combate ao desmatamento. A criação de unidades de conservação e a demarcação de terras indígenas estão paradas.
Apesar de não se tratar de um ranking específico sobre florestas tropicais, dados da ONU reunidos pelo Banco Mundial mostram que 29 países têm proporção de cobertura florestal maior que a do Brasil – em termos absolutos, o país com maior área do território coberta por florestas é a Rússia.
Mais da metade das florestas do mundo estão em cinco países: Rússia (20,1%), Brasil (12,2%), Canadá (8,5%), EUA (7,6%) e China (5,4%), segundo a FAO.
No ranking da ONU, o Brasil é o 34° em proporção de áreas protegidas.
“Temos a matriz energética mais limpa e diversificada do mundo.”
FALSO
Segundo o site Our World in Data, com base nas estatísticas de energia da BP, em 2019 o Brasil tinha 45% da matriz energética em fontes renováveis. É menos que Islândia (79%) e Noruega (66%). (*)
No entanto, o Brasil não tem um plano para descarbonização da economia no longo prazo e ainda considera o uso de combustíveis fósseis como uma de suas principais fontes, apesar da poluição que causam e do potencial de energia limpa do país.
“Mesmo sendo uma das 10 maiores economias do mundo, somos responsáveis por apenas 3% da emissão de carbono.”
VERDADE, MAS
Segundo o SEEG, o Sistema de Estimativas de Emissões do Observatório do Clima, o Brasil emitiu em 2018 1,9 bilhão de toneladas brutas de CO2 equivalente. É pouco menos de 4% das emissões globais, mas isso torna o país o sexto maior emissor do planeta, atrás apenas da China (11,5 bilhões de toneladas), dos EUA (5,8 bilhões), da Índia (3,2 bilhões), da Rússia (2,4 bilhões) e da Indonésia (2,2 bilhões). Os dados por país podem ser obtidos no ClimateWatch, plataforma do WRI.
“Mesmo preservando 66% de nossa vegetação nativa e usando apenas 27% do nosso território para a pecuária e a agricultura – números que nenhum outro país possui.”
MEIA-VERDADE
O Brasil mantém 66% do território coberto com vegetação, mas análise do Mapbiomas mostra que pelo menos 9% dessa vegetação é secundária – ou seja, são áreas que já foram desmatadas e voltaram a crescer. Não foram, portanto, preservadas. Além disso, mais de 20 países possuem área com vegetação nativa maior que a do Brasil.
Pesquisadores já rebateram o que classificam de “estatística criativa” usada pelo chefe da Embrapa Territorial, Evaristo de Miranda, para afirmar que o Brasil é o país que mais preserva. As conclusões de Miranda sobre a preservação da flora em propriedades rurais também foram questionadas no estudo “Os dados confirmam que Brasil lidera o mundo em preservação ambiental?”, publicado pela revista Environmental Conservation, da Cambridge University Press.
O dado sobre 27% do território para pecuária e agricultura é impreciso, mas não incorreto. Uma análise do Mapbiomas mostra que 30% do território brasileiro está ocupado por agropecuária. Incluindo pastagens naturais no Pantanal e no Pampa, esse total sobe para 34%. É próximo da média mundial, de 37%, segundo a FAO.
“Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas.”
FALSO
Dados da Nasa, do Inpe e estudo recente publicado na Science mostram que grande parte das queimadas ocorre em áreas recém-desmatadas (e não em áreas agrícolas consolidadas), principalmente para abertura de pastagens. De acordo com o estudo, de pesquisadores do Inpe e da UFMG, mais da metade (52%) dos focos de calor e 67% dos alertas de desmatamento ocorreram em grandes e médias propriedades rurais. Segundo dados da Nasa compilados pelo jornal O Globo, 54% dos focos em agosto tinham origem em desmate. Uma nota técnica do Ipam mostrou também que, em 2019, 64% dos focos de queimada na Amazônia tinham origem em algum tipo de degradação da floresta – ou fogos de desmatamento ou florestas degradadas pegando fogo. O Ipam também mostrou, na mesma nota técnica, que apenas 7% das queimadas em 2019 ocorreram em terras indígenas e 31% em propriedades rurais – ou seja, diferentemente do que afirmou o presidente, quem mais queima não é o índio. A Polícia Federal investigou fazendeiros pelo “Dia do Fogo” na Amazônia em 2019 e aponta produtores rurais como suspeitos por queimadas para abertura de pasto no Pantanal em 2020.
“Os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação. Mantenho minha política de tolerância zero com o crime ambiental.”
FALSO
No Pantanal, as queimadas já devastaram 21% do bioma, segundo o LASA/UFRJ. São as mais graves desde o início da série histórica do Inpe: até 21 de setembro foram registrados 16.119 focos, o número mais alto em 23 anos de monitoramento do bioma por satélite.
Na Amazônia, foram registrados nos meses de maio, junho, julho e agosto de 2020 (período de atuação e coordenação do combate pelas Forças Armadas) 39.187 focos de incêndio, número maior que os 38.952 no mesmo período de 2019. Se contabilizado o período de janeiro a agosto, houve alta de 6%. Já nos 21 dias de setembro levantados até agora foram 27.660 focos, mais que os 19.925 em todo o mês no ano passado.
Dados preliminares de alertas de desmatamento do Inpe mostram aumento de 34% da devastação neste ano em relação ao mesmo período de 2019, que já havia registrado a maior alta da taxa oficial de desmatamento em onze anos.
Os autos de infração aplicados pelo Ibama de janeiro a setembro (4.381) caíram 52% em relação ao mesmo período de 2019 e 60% na comparação com 2018, segundo dados disponíveis na área de consulta pública do site do Instituto (atualizados até 21/9).
Até ontem (21/09), o Ibama havia executado apenas 30% do orçamento para a fiscalização em 2020.
Em agosto, o Ministério da Defesa abortou uma operação do Ibama contra garimpo ilegal em terra indígena no Pará e garimpeiros embarcaram em avião da FAB para conversas em Brasília.
“Juntamente com o Congresso Nacional, buscamos a regularização fundiária, visando identificar os autores desses crimes.”
FALSO
O Brasil já reduziu o desmatamento na Amazônia em 73%, entre 2004 e 2009, sem alterar a lei de terras. Segundo especialistas e procuradores do Ministério Público, a Medida Provisória nº 910/2019 (transformada no PL nº 2633/2020, com alterações), se aprovada como havia sido proposta pelo governo, resultaria em anistia para invasões de terras públicas e desmatamentos ocorridos até a campanha de 2018, que elegeu Bolsonaro.
Em todo o ano de 2019 o governo Bolsonaro regularizou apenas seis propriedades rurais, contra média anual de 3.190 no período 2009-2018.
Na Amazônia, a maior parte do desmatamento ocorre em áreas privadas. Análise do Mapbiomas mostrou que dois terços dos alertas de desmatamento em 2019 ocorreram em áreas que cruzavam pelo menos um Cadastro Ambiental Rural (CAR) – ou seja, é possível punir quem declara possuir a área. Com base nisso, o Ibama criou em 2016 a Operação Controle Remoto para fiscalizar o desmatamento sem necessidade de ir a campo em todos os casos. Desde o início do governo Bolsonaro, porém, não foram divulgados resultados desta operação.
“Lembro que a Região Amazônica é maior que toda a Europa Ocidental. Daí a dificuldade em combater não só os focos de incêndio, mas também a extração ilegal de madeira e a biopirataria.”
FALSO
O tamanho da Amazônia não impediu o país de reduzir o desmatamento em 83% entre 2004 e 2012, usando para isso uma série de mecanismos, como o monitoramento por satélite em tempo real, as ações de fiscalização do Ibama, a destruição dissuasiva de equipamentos de criminosos e o corte de crédito agropecuário a ilegais, sem com isso reduzir a produção agrícola do país.
“Por isso, estamos ampliando e aperfeiçoando o emprego de tecnologias e aprimorando as operações interagências, contando, inclusive, com a participação das Forças Armadas.”
FALACIOSO
Embora trabalhos interagências possam ser importantes para melhorar os resultados da gestão pública, a principal operação realizada neste modelo, a Verde Brasil 2, coordenada pelas Forças Armadas desde 11 de maio, tem se mostrado ineficaz e dispendiosa. Houve maior impunidade (com a redução dos autos de infração do Ibama), aumento do desmatamento, das queimadas e dos gastos.
“O nosso Pantanal, com área maior que muitos países europeus, assim como a Califórnia, sofre dos mesmos problemas. As grandes queimadas são consequências inevitáveis da alta temperatura local, somada ao acúmulo de massa orgânica em decomposição.”
FALSO
Diferentemente do Brasil, a Califórnia pega fogo principalmente por conta do aquecimento global. Em um artigo publicado em agosto, a Scientific American destacou que o aumento dos incêndios por lá é visto por cientistas como um sinal das mudanças climáticas. Temperaturas mais altas, precipitação mais raras e neve que derrete mais cedo resultam em um solo mais seco e vegetação ressequida, explicam. Não existe fronteira agrícola ali, nem produção de commodities em áreas de floresta. A extensão total dos incêndios da Califórnia em 2020, os piores da história, foi de 1,2 milhão de hectares – menos da metade do que queimou no Pantanal. Por aqui, as mudanças climáticas também exercem influência no bioma, mas os indícios de que as queimadas atuais foram decorrentes de ação humana são fortes. O Instituto Centro de Vida (ICV), que faz um monitoramento dos focos de calor, mostrou que 9 incêndios deram origem à tragédia e 5 deles estavam em fazendas do Pantanal. A Polícia Federal abriu um inquérito para investigar a origem das queimadas na região e apontou fazendeiros como suspeitos de ação criminosa.
“Nessa linha, o Brasil se esforçou, na COP25, em Madri, para regulamentar os artigos do Acordo de Paris que permitiriam o estabelecimento efetivo do mercado de carbono internacional. Infelizmente, fomos vencidos pelo protecionismo.”
FALSO
O Brasil foi, ao lado da Austrália, da Arábia Saudita e dos EUA, um dos principais responsáveis pelo fracasso da COP25. O país bloqueou sistematicamente todas as discussões sobre o artigo 6 do Acordo de Paris, que regulamenta o mercado de carbono. O país queria, por exemplo, carregar reduções supostamente feitas no Protocolo de Kyoto, o acordo do clima anterior, para o novo regime jurídico – o que outros países veem como protecionismo a setores como hidrelétricas, que têm essas supostas reduções em estoque – ou permitir a dupla contagem de emissões abatidas.
“Em 2019, o Brasil foi vítima de um criminoso derramamento de óleo venezuelano, vendido sem controle, acarretando severos danos ao meio ambiente e sérios prejuízos nas atividades de pesca e turismo.”
FALSO
Um ano depois do maior desastre de vazamento de óleo do país, a origem do derramamento que atingiu o litoral de Alagoas e mais oito estados do Nordeste e dois do Sudeste, totalizando 130 municípios, segue desconhecida. Em agosto deste ano, a Marinha do Brasil finalizou a primeira parte das investigações sem uma conclusão sobre qual foi a causa ou o responsável pelo vazamento (não se sabe, por exemplo, se o vazamento ocorreu a partir de uma embarcação que estava passando ou de um navio afundado há anos). A narrativa sobre a responsabilidade venezuelana surgiu no início das investigações, quando um laudo da Petrobras indicou que a origem do óleo era de lá. No entanto, de acordo com os documentos que compõem a Comissão Parlamentar de Inquérito do óleo, os outros laudos internacionais que investigaram a substância não determinam sua origem.
(*) Este texto foi alterado às 7h25 do dia 23/9 para corrigir informação sobre a matriz energética dos países em fontes renováveis. A primeira versão do texto informava dados de fontes sem carbono, o que inclui nuclear.