Ao longo de 2019, o governo brasileiro paralisou o Fundo Amazônia após levantar suspeitas de irregularidades sobre o uso de recursos e sobre sua efetiva contribuição para a redução do desmatamento.
Os ataques se basearam no fato de que parte dos recursos é destinada a projetos executados por organizações não governamentais (ONGs). Em janeiro de 2019, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ordenou que fossem suspensos todos os repasses de recursos para projetos de ONGs, sem ter conhecimento de que essa ordem não tinha alcance sobre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela gestão do Fundo Amazônia.
Em setembro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou em sua conta no Twitter que “em torno de 40% do Fundo Amazônico (sic) vai para as… ONGs, refúgio de muitos ambientalistas” e em seguida atacou um dos países doadores: “Veja a matança das baleias patrocinada pela Noruega”, ao comentar notícia sobre a suspensão do repasse de recursos do governo norueguês para o Fundo Amazônia em razão do aumento do desmatamento no Brasil. A referência à Noruega era falsa: as imagens mostravam baleias mortas na Dinamarca.
O Fundo Amazônia foi criado por decreto presidencial em 2008 para o Brasil captar dinheiro como contrapartida à redução do desmatamento na Amazônia, o que vinha ocorrendo gradualmente na ocasião e que, consequentemente, ajudava a reduzir a emissão de gases de efeito estufa. A lógica do fundo é simples: se o Brasil reduzir o desmatamento, a quantidade de gás carbônico que deixa de ser liberada para a atmosfera pode ser recompensada financeiramente por outros países, sem que eles contabilizem esses resultados de emissões como seus.
O pagamento por resultados pela Redução de Emissões Provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+, na sigla em inglês) é um instrumento que já vinha sendo defendido pelo Brasil desde 2005 nas reuniões da Convenção do Clima da ONU, com o objetivo de beneficiar países com grandes áreas florestais e frear o desmatamento.
O Brasil fez acordos com a Alemanha e a Noruega, e esses países se comprometeram a pagar pelos resultados de redução do desmatamento obtidos pelo Brasil, que também se comprometeu a utilizar os recursos da forma que foi estabelecida pelo decreto. A operacionalização desses recursos ocorre por meio do Fundo Amazônia. Caso venham a ser mudadas as regras do fundo, deixa de existir o compromisso dos doadores.
Após os recursos serem aportados, eles podem ser empregados para financiar projetos não reembolsáveis voltados à prevenção, ao monitoramento e combate ao desmatamento e à promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal, entre outras iniciativas, em diversas áreas temáticas. Para acessar os recursos, órgãos públicos federais, estaduais, municipais, organizações não governamentais e, em situações muito específicas, até empresas privadas, podem submeter projetos que são avaliados pela equipe do BNDES e aprovados ou não, com base nas regras estabelecidas pelo Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa).
Ao longo de quase 12 anos, o Fundo Amazônia destinou R$ 1,86 bilhão para apoiar 103 projetos. Desse montante, 61% foram destinados para financiar projetos de órgãos públicos (federais, estaduais ou municipais), 38% de organizações não governamentais e 1% de outros países.
Entre as Diretrizes e Critérios para Aplicação dos Recursos e Focos de Atuação para o Biênio 2017 e 2018, estabelecidas pelo Cofa, há uma cláusula de equidade para evitar “concentração de recursos entre os tipos de proponentes: órgãos públicos, instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil”.
Em 2019 foi apresentada uma análise da efetividade do Fundo Amazônia referente aos seus 10 anos de existência, envolvendo 15 projetos que já haviam sido concluídos dos 103 financiados. A avaliação foi realizada por uma equipe de consultores independentes, com coordenação técnica da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), da Organização das Nações Unidas (ONU).
O relatório conclui que há “evidências claras” de que o Fundo Amazônia contribui para manter o desmatamento na Amazônia reduzido, mas reconhece que é difícil estimar quantitativamente essa contribuição. Embora o fundo não tenha alterado tendências do desmatamento nos últimos anos, sem a sua implementação as taxas poderiam ter sido maiores, aponta o documento.
O fundo foi criado como um elemento adicional às políticas federais, estaduais e municipais de controle do desmatamento. Se essas ações não promoverem a redução do desmatamento, dificilmente o fundo conseguirá fazer isso isoladamente. E muitas iniciativas dessas políticas, como por exemplo a fiscalização do Ibama, são apoiadas com recursos do fundo.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também realizou uma auditoria em 2018 e concluiu que os recursos do Fundo Amazônia estão sendo usados “de maneira adequada”, de acordo com os objetivos estipulados.
Antes, em 2016, o Banco de Desenvolvimento Alemão (KfW) havia realizado uma avaliação do Fundo Amazônia, concluindo que ele se tornou um dos pilares para a estratégia de controle do desmatamento no Brasil.
Desde 2010, o Fundo Amazônia passa anualmente por uma auditoria contábil, que avalia a veracidade dos saldos registrados nas demonstrações financeiras e outra auditoria que avalia o cumprimento das exigências presentes no decreto que o criou e nas diretrizes e critérios estabelecidos pelo Cofa. Ao longo desses anos não foram constatados fatos que caracterizassem irregularidades relevantes.
Por fim, os doadores também não demonstraram insatisfação em relação ao funcionamento do fundo, exceto quando foram alteradas as regras em 2016 para que o Ibama pudesse ter aprovado um projeto de apoio à fiscalização ambiental, uma vez que o orçamento do Instituto havia sido contingenciado pelo governo.
Os recursos doados ao fundo são reflexo do engajamento na mitigação da mudança do clima do governo norueguês, que criou a Iniciativa Internacional para o Clima e Florestas (NICFI) para apoiar dezenas de países a reduzir a destruição de florestas tropicais, com 3 bilhões de coroas norueguesas por ano, cerca 1,7 bilhão de reais. O objetivo é interromper as emissões de gases de efeito estufa do desmatamento e da degradação florestal nos países em desenvolvimento. Em 2018, na comemoração dos dez anos do Fundo Amazônia e da parceria Brasil-Noruega, em Oslo, ele foi reconhecido com referência internacional.
Apesar da necessidade de ampliar as ações do governo para proteção da floresta, o Fundo Amazônia é a maior iniciativa financeira do mundo para conter o desmatamento em florestas tropicais, cujos recursos foram obtidos como recompensa pelos resultados que o Brasil havia alcançado em anos anteriores.
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