Advogado ajudou Ricardo Salles a desmontar a governança climática federal

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), decidiu exonerar o advogado Antônio Fernando Pinheiro Pedro do cargo de secretário executivo de Mudanças Climáticas do município. Na terça-feira (11), o site Metrópoles publicou um vídeo no qual o secretário nega que as mudanças no clima sejam intensificadas por ações humanas e engana ao afirmar que as modificações são de “ordem geológica, cósmica e solar” e que a sociedade não pode fazer nada para reverter a situação. Nesta quinta-feira (13), o jornal Folha de S.Paulo lembrou que Pinheiro Pedro foi um dos articuladores do desmonte ambiental praticado por Ricardo Salles durante o governo Bolsonaro.

O discurso negacionista ocorreu no início de junho, durante o lançamento do Fórum Permanente de Mudanças Climáticas e Desastres Ambientais da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP). Na ocasião, Pinheiro Pedro foi interrompido por Giorgia Sena Martins, procuradora federal da advocacia-geral da União. “Desculpa, mas o senhor está negando a existência deste fórum, o senhor está negando toda a ciência, todos os relatórios do IPCC.”

Fakebook.eco checou as declarações do agora ex-secretário, que estava no cargo desde a criação da Seclima em junho de 2021.


“O planeta não será salvo por nós. Ninguém salva o planeta Terra.”

FALACIOSO –

É um truque retórico comum dos negacionistas dizer que a Terra “se cura sozinha” e que “ninguém salva o planeta”. Esse argumento omite que o que está em jogo na mudança climática não é “salvar” o planeta enquanto entidade geológica e sim evitar o colapso da civilização humana tal qual ela existe desde o início do Holoceno, 10 mil anos atrás – e, com ela, ecossistemas inteiros que foram colocados em risco pela ação humana de alterar a química da atmosfera nos últimos 250 anos.

“Geralmente ele se salva sozinho. Ele o faz há 4,3 bilhões de anos. E muda o clima em todo esse período.”

VERDADE, MAS

Dez entre dez negacionistas usam a frase “o clima sempre mudou” para dizer que o aquecimento observado ao longo do último século não tem nada de extraordinário e para isentar a humanidade de culpa.

De fato, a Terra já esteve mais quente e já teve níveis mais altos de gás carbônico no ar em vários momentos do seu passado geológico: no Período Plioceno, há 3,3 milhões de anos, a concentração de CO2 pode ter chegado a 450 partes por milhão e a temperatura média pode ter sido 3oC mais elevada do que no início da era industrial – mais do que o dobro do aquecimento verificado hoje. Há cerca de 55 milhões de anos, no Eoceno, o CO2 na atmosfera estava provavelmente ao redor de 1.000 ppm e as temperaturas eram de 5ºC a 8ºC mais altas do que hoje. Há 90 milhões de anos, na era dos dinossauros, havia tanto CO2 no ar que a Antártida estava coberta de florestas. Há 125 mil anos, as temperaturas na Groenlândia eram 8oC mais altas do que a média do último milênio.

Os cientistas do clima sabem de tudo isso. Eles sabem que o que controla o clima na Terra, no longo prazo, são os ciclos orbitais e as variações solares. E sabem também que as mudanças climáticas do passado geológico sempre foram graduais. Quando aconteciam de forma abrupta, ocorriam extinções em massa.

Ocorre que mudanças no tempo geológico não são bons parâmetros de comparação com a crise climática atual. Por uma questão de escala: as transformações atuais da atmosfera ocorreram após a Revolução Industrial e terão seus piores efeitos em décadas, não em milênios ou milhões de anos.

As concentrações de gás carbônico no ar observadas atualmente não têm precedentes em pelo menos 800 mil anos, provavelmente em 3,3 milhões de anos.

A escala de tempo na qual a mudança climática atual se dá é uma espécie de zona “Cachinhos de Ouro”: longa demais para os meteorologistas, acostumados a olhar a variação do tempo de um dia para o outro, e curta demais para astrônomos e geólogos, acostumados a lidar com grandes forças naturais que operam na escala de milhões de anos. No entanto, é para essa escala de tempo intermediária que é preciso olhar na hora de planejar a adaptação de cidades, da agricultura e dos hábitos de vida.

“Nós somos parte do problema para a vida na Terra neste momento, mas nossa solução é muito pequena. Os fatores são de ordem geológica, cósmica e solar.”

FALSO

Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), o comitê científico encarregado de fazer a análise crítica de todo o conhecimento existente sobre a crise climática, a humanidade é hoje o fator dominante nas mudanças do clima (e a única entidade capaz de mitigá-las). Do aquecimento de 1,09ºC observado atualmente (2011-2020) em comparação com o período pré-industrial (1850-1900), 1,07ºC provavelmente deriva de ações humanas, como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento. Ou seja, 98% do aumento de temperatura verificado é provavelmente causado por atividades humanas.

“Não devemos perder nunca de vista a necessidade de sermos humildes em relação ao fenômeno do qual estamos tratando. Ele não vai se modificar no papel. Ele não segue o calendário juliano, pelo contrário.”

FALACIOSO –

Outra alegação negacionista clássica é a de que a humanidade é um fator “muito pequeno” para causar mudanças significativas no sistema terrestre. Esse foi o argumento usado pelas academias científicas em 1938 para minimizar o alerta do britânico Guy Callendar de que a queima de carvão estava aumentando as concentrações de gás carbônico no mundo. Nesses mais de 80 anos a ciência avançou e mostrou que os seres humanos não apenas são capazes de causar alterações no planeta, como são hoje a principal força geológica da Terra. No último dia 11, um grupo de trabalho da Comissão Internacional de Estratigrafia decretou que o lago Crawford, no Canadá, traz o “marco zero” do Antropoceno, período geológico no qual a influência humana começa a aparecer no registro geológico. A data fixada é 1952, quando plutônio de testes nucleares passa a ser detectado nos sedimentos.

“O movimento humano hoje representa um grande, um enorme vulcão em atividade no planeta Terra”.

FALSO –

Pinheiro Pedro quis provavelmente minimizar a influência humana comparando-a a um vulcão, mas errou duas vezes, no sinal e na intensidade. Primeiro, vulcões resfriam temporariamente o planeta, enquanto a humanidade o aquece. Depois, o aquecimento causado pelos humanos é muito maior e duradouro que o resfriamento causado por grandes erupções vulcânicas. O monte Pinatubo, nas Filipinas, explodiu em 1991 e resfriou o planeta em cerca de 0,6ºC por três anos. A humanidade esquentou a Terra em provável 1,07ºC, valor que está aumentando.

“Ciência não é consenso.”

FALSO –

No caso do clima, é, sim. Mais de 99% da literatura científica publicada entre 2012 e 2020 e revisada por pares reconhece a influência da ação humana na crise climática, segundo pesquisa da Universidade Cornell, dos EUA, publicada em outubro de 2021. Mark Lynas, autor principal do estudo — que analisou quase 90 mil publicações sobre crise climática —, declarou que os dados obtidos fazem do questionamento à existência de consenso na comunidade científica sobre o tema um “caso encerrado”. Segundo o levantamento, não existe debate científico significativo entre os especialistas questionando a mudança climática induzida pela ação humana.