Uma ideia muito disseminada sobre o desmatamento na Amazônia é a de que ele é feito por pequenos produtores, gente pobre, que é levada a desmatar por falta de alternativa econômica. É uma narrativa segundo a qual o cidadão precisa optar entre manter uma árvore de pé e dar um prato de comida a seus filhos. Essa narrativa, porém, não para de pé.
Embora evidentemente a pobreza leve pessoas a destruir florestas e evidentemente o baixo IDH da Amazônia tenha uma correlação (que não é necessariamente causal) com a devastação, o desmatamento na Amazônia não é provocado majoritariamente por pequenos produtores.
O primeiro grande surto de desmatamento, durante a ditadura militar, foi induzido por ações do governo: projetos de colonização que se seguiram à abertura de estradas e, depois, concessão de crédito com isenção tributária para que grandes fazendeiros do Centro-Sul estabelecessem projetos agropecuários em grandes áreas e cortassem a floresta. Somente um desses projetos, a fazenda Tamakavy, do Grupo Sílvio Santos, tinha 40 mil hectares*, cerca de um quarto da área do município de São Paulo.
Cortar grandes extensões de mata para plantar capim não é tarefa para um agricultor familiar empobrecido. Desmatar é uma atividade cara – de R$ 200 a R$ 2.000 por hectare derrubado – e é feita por gente capitalizada.
Produtores pobres, que só contam com a própria mão de obra, não conseguem abrir grandes áreas, aponta o pesquisador Raoni Rajão, da UFMG. Segundo ele, desmatamentos em blocos de até 6,25 hectares não superaram 7% da área desmatada total. “Por outro lado, o culpado pelo aumento do desmatamento total nos últimos anos tem sido principalmente os blocos de 25-100 ha e maiores de 100 ha”, acrescenta. Além disso, análise do perfil dos imóveis no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que mais desmatam mostra que apenas 2% dos médios e grandes concentram 62% de todo desmatamento potencialmente ilegal pós 2008 na Amazônia e no Cerrado.
No início do século, com o boom do preço da soja, fazendeiros “investiam” em desmatamento com a expectativa de lucro, e especuladores desmatavam para vender a terra depois a sojicultores.
Hoje em dia, o desmatamento é feito sobretudo por quadrilhas de invasores de terras, em operações muito bem financiadas, com alta tecnologia e por vezes comandadas desde o Sudeste. Segundo o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), 29% do desmatamento em 2019 aconteceu em áreas não-designadas – ou seja, terras públicas invadidas -, 23% em fazendas cadastradas no CAR e 9% em áreas sem informação (possivelmente também griladas). Somando-se aos desmatamentos em terras indígenas e unidades de conservação, metade da devastação é especulativa ou criminosa. Assentamentos rurais, de pequenos agricultores familiares, responderam por 23% do desmatamento. Parece muito, e é, e representa um crescimento em relação ao começo do século, quando os assentamentos respondiam por menos de 20% do desmatamento. Mas o quadro é mais complexo.
O Ipam foi investigar o que estava acontecendo dentro dos assentamentos. Em 2016, seus pesquisadores concluíram que “quase 72% da área desmatada dentro dos assentamentos está ocorrendo em polígonos maiores que 10 ha (21% em polígonos maiores que 50 ha), o que, em geral, não representa o padrão de desmatamento das atividades ligadas aos beneficiários de reforma agrária na região”. Ou seja, havia concentração de lotes, sinal de que ou os assentados estavam arrendando suas áreas, ou vendendo, ou sendo expulsos. Em 2019, 67% do desmatamento estava concentrado em apenas 59 assentamentos de um total de 917 que desmataram naquele ano, segundo análise do Ipam.
CHEQUE VOCÊ MESMO
Documento do Banco Mundial sobre os grandes projetos de desmatamento
O custo do desmate em avaliação de pastagens plantadas – quando e como considerar?
Estudo do FBOMS sobre relações entre soja e pecuária
Ipam: Desmatamento por categoria fundiária em 2019
Ipam: Desmate em assentamentos na Amazônia
* Conforme dados da Sudam (Evlyn Novo, comunicação pessoal)