Cadastro resulta de negociação liderada pela bancada ruralista para aprovação do Código Florestal

Em agosto de 2018, no Fórum de Agricultura da América do Sul, em Curitiba, o agrônomo Evaristo de Miranda, chefe da Embrapa Territorial, afirmou que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) é “o maior trabalho escravo” da história do Brasil. “Cinco milhões de pessoas obrigadas, sem ganhar nada, sob coação, a fazer esse trabalho”, discursou, referindo-se ao registro no CAR.

Os argumentos de Miranda refletem um sentimento comum entre alguns representantes do agronegócio, em especial no Congresso, que pressionam pela flexibilização do Código Florestal.

Ao contrário do que afirma o pesquisador da Embrapa, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) é resultado de negociação liderada pela bancada ruralista para aprovação do novo código, em 2012, que, entre outros benefícios aos produtores rurais, anistiou desmatamentos ilegais ocorridos até 22 de julho de 2008.

Como contrapartida, foi criado o CAR, registro eletrônico obrigatório em todo o território nacional que tem o objetivo de “integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”.

Esse registro é realizado no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), uma plataforma digital disponibilizada gratuitamente pelo Ministério do Meio Ambiente e que atualmente é gerida pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Nela, o proprietário ou possuidor do imóvel rural deve inserir informações como dados cadastrais (nome do detentor, documento do imóvel, área, etc.) e dados georreferenciados (limites da propriedade, áreas utilizadas para produção, áreas de preservação permanente, áreas de recuperação).

O registro no CAR é uma obrigação legal, cujo procedimento é relativamente simples. Em razão de sua importância e da amplitude territorial, houve grande mobilização nacional para que órgãos de meio ambiente, sindicatos e associações, entre outras entidades, auxiliassem os proprietários rurais a fazer o registro, embora alguns tenham optado por pagar para empresas especializadas.

Grileiros frequentemente registram áreas públicas no CAR para depois reclamar direitos de propriedade. O Greenpeace mostrou que 94% do território da Terra Indígena Ituna-Itatá, a mais desmatada em 2019, está registrado em nome de proprietários particulares no CAR.

Os dados mais atualizados do Boletim Informativo do CAR indicam 6.472.624 registros, que correspondem a uma área de 543.703.650,46 hectares. Por se tratar de registro autodeclaratório, muitas dessas informações ainda precisam ser analisadas por órgãos públicos.

Mas, afinal, por que alguns representantes do agronegócio atacam o CAR? Esse imenso banco de dados, disponível para consulta pública, permite fazer análises e revelar informações que podem ser inconvenientes sobre cada imóvel. É possível saber, por exemplo, quem cumpre a lei e não desmata nas áreas em que isso é proibido, mantendo a parcela mínima obrigatória de vegetação nativa. O sistema, portanto, é um grande olheiro virtual das fazendas que permite identificar quem está cometendo crimes ambientais, cujas informações podem ser empregadas pela fiscalização ambiental sem a necessidade de ir ao campo, economizando tempo e dinheiro público.

Além disso, como a economia mundial incorpora cada vez mais critérios ambientais nas relações de negócio, como o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, o CAR passou a ser uma ferramenta importante para verificação da conformidade ambiental.

O setor financeiro também começou a utilizá-lo como pré-requisito para conceder crédito rural e seguro agrícola. Para um produtor rural obter empréstimo subsidiado, por exemplo, cujo montante para a safra 2019/2020 é de R$ 225,59 bilhões, ele deve apresentar o registro no CAR. Atualmente, porém, as instituições financeiras não estão verificando se o imóvel está regular ambientalmente.

Um aspecto que não costuma ser lembrado por quem trata o registro no CAR como “coação” é que ele possibilitou a criação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) para anistiar as multas e outras sanções daqueles que desmataram ilegalmente até 22 de julho de 2008 em reserva legal, área de preservação permanente ou área de uso restrito.

Até o começo de 2020 havia cerca de 3 milhões de requerimentos de adesão ao PRA. Ou seja, considerando o total de registros, é possível inferir que quase metade (47,2%) dos imóveis rurais em todo o Brasil apresenta alguma irregularidade relacionada apenas às áreas de reserva legal, de preservação permanente e de uso restrito.

Além de servir como ferramenta para regularização ambiental, o CAR também é útil como fonte de dados para pagamento por serviços ambientais, comercialização de cotas de reserva legal, descontos tributários, desburocratização com o registro em cartório da reserva legal e outros benefícios, além de ser importante para auxiliar no planejamento e gestão da propriedade rural e para a elaboração e execução de políticas públicas.

No entanto, há incertezas com a constante protelação do prazo final de registro para todos os proprietários rurais. Desde a criação do CAR, esse prazo foi adiado várias vezes até se tornar indeterminado na gestão Bolsonaro. O objetivo é evitar pressões e cobranças pela regularidade dos imóveis rurais, exercida por elos da cadeia produtiva, como setor financeiro, grandes redes, importadores e consumidores de produtos agropecuários.

 

CHEQUE VOCÊ MESMO

G1

Palestra Evaristo de Miranda

Cadastro Ambiental Rural (CAR) Lei n° 12.651/2012

Greenpeace

Boletim Informativo CAR

Consulta Pública CAR

Estadão 

Lei n° 13.887/2019