Quatorze anos após ganhar o Prêmio Nobel da Paz, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) voltou às manchetes por alertar a humanidade sobre a emergência climática. Na última segunda-feira (9/8), o comitê de cientistas da ONU publicou o sumário executivo de seu sexto relatório, o AR6, no qual afirma que a influência humana no clima é “inequívoca”.
Esse adjetivo culmina uma trajetória de 30 anos de avanços no consenso científico sobre as causas e os efeitos do aquecimento da Terra. E coroa a consolidação de tal consenso com um número inédito: pela primeira vez, a influência humana na elevação da temperatura do planeta pôde ser estimada, e ela é alta. Segundo o novo relatório, atividades humanas como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento provavelmente causaram nada menos que 98% do aquecimento global observado.
O Fakebook.eco fez uma comparação entre os sumários dos seis grandes relatórios de avaliação publicados pelo IPCC desde 1990. Procurou-se entender como mudou o entendimento do painel sobre oito temas: se o aquecimento global é real ou não, se a humanidade influencia ou não esse processo, quanto de aquecimento teríamos caso o nível de gás carbônico na atmosfera duplicasse (a chamada “sensibilidade climática”, o parâmetro básico para os modelos de previsão de clima), as projeções de temperatura, de nível do mar, de degelo, de furacões e de eventos potencialmente cataclísmicos, os chamados “tipping points” planetários.
Essa “arqueologia” no IPCC revela duas coisas: primeiro, que os cientistas sempre souberam qual era o problema, mas nunca fizeram nenhuma declaração sem ter um conjunto forte de evidências sobre a mesa. Segundo, que as evidências avaliadas pelo painel ficaram mais robustas com o passar do tempo. Essa é a principal marca de solidez num consenso científico. Se, como alegam os negacionistas, o aquecimento global fosse uma “fraude” ou uma ilusão coletiva, três décadas de literatura científica acumulada mostrariam previsões que não se concretizaram.
O que aconteceu na maior parte dos casos, na verdade, foi que o IPCC subestimou tendências, pela necessidade, inerente ao seu papel, de apresentar sempre a visão mais consensual – e conservadora – da ciência.
Em 1990, por exemplo, o painel dizia que havia um aquecimento global detectável, mas que ele ainda era consistente com a variabilidade natural do clima da Terra. E previa que apenas em dez anos seria possível detectar um aquecimento observável consistente com interferência humana. Não precisou esperar tanto: em 1995, em seu Segundo Relatório de Avaliação, o IPCC já dizia que havia uma influência humana “discernível” no clima. A expressão causou fúria do lobby da indústria, que acusou o IPCC de “desonestidade”, numa crise que quase pôs a perder o Protocolo de Kyoto, o tratado climático que seria adotado dois anos depois.
Em 2007, a influência humana como fator predominante no aquecimento global já era “muito provável”, ou seja, 90% de chance ou mais, segundo a linguagem estatística do IPCC. Em 2013, no Quinto Relatório de Avaliação, ela era considerada “extremamente provável” (95% de chance ou mais), para enfim ser qualificada como “inequívoca” no AR6.
Em outro caso, o painel subestimou em 2007 o declínio do gelo marinho no Ártico, projetando para os anos 2000 uma redução cerca de 30% menor do que a observada. No caso da elevação do nível do mar, o Primeiro Relatório de Avaliação (FAR) afirmava em 1990 que ela poderia ser de 20 cm em 2030. Também chegamos lá antes disso, em 2013.
No quarto relatório (AR4), as previsões de nível do mar para o futuro foram jogadas para baixo mesmo diante de evidências de degelo recorde na Groenlândia nos anos anteriores, porque os processos que levavam a esse degelo ainda não eram plenamente conhecidos. Ainda no AR4, a morte em massa de corais na Austrália era prevista para a década de 2030 – ela ocorreu 14 anos antes, em 2016.
Em parceria com a Lupa, o Fakebook.eco preparou um gráfico mostrando como as principais mudanças se deram ao longo do tempo. Confira: